01/07/09


Onde tu pousas as mãos,
naturalmente
eu vou pousar as minhas. Um silêncio
faz-se pela casa, uma luz coada vem da janela
e cobre os móveis de uma poalha
doirada. Os objectos estão quietos
como nunca.

Onde tu pousas as mãos,
onde tu pousas mesmo se brevemente as mãos,
torna-se íntima a percepção que se tem de cada hora,
de cada amanhecer,
de cada exacto momento. O entardecer
é só um vasto campo que se abre,
um rumor de folhas que restolham no jardim.

Escrever é ler,
ler é escrever - eu sei isso
porque em cada sítio onde [do meu corpo] tu pousaste as tuas mãos
ficou escrito - eu vejo-o: nítido -
sobre o mais frágil espelho dos sentidos, uma palavra que se lê
de trás para diante. Quando te deitas eu sinto-lhe o perfume,
que é o da noite que entra pela janela.

E onde tu pousas as tuas mãos faz-se um rio
de prata e de quietude mesmo nas minhas mãos
que pousam onde as tuas foram antes procurar
a quietude, procurar as tuas mãos. São exactas as tuas mãos,
são necessárias, têm dedos
que são os filamentos de gestos que descrevem na penumbra
desenhos tão perfeitos que surpreendem.

Onde tu
pousares as tuas mãos
eu quero estar.
Exactamente como a sombra
cai na sombra. A água
na água. O pão
nas mãos.

Bernardo Pinto de Almeida in Hotel Spleen

11 comentários:

Anónimo disse...

Para ti porque:
"São exactas as tuas mãos,
são necessárias, têm dedos
que são os filamentos de gestos que descrevem na penumbra
desenhos tão perfeitos que surpreendem"

ad eternum 00

hfm disse...

Não conhecia e fiquei rendida a estas mãos que da poesia fazem um cântico. Parece que toda esta poética enrola os gestos, as mãos e os dedos numa coluna. Belíssimo. Posso colocá-lo um dia destes no Alicerces?

Licínia Quitério disse...

Que belíssimo poema dum poeta que não conhecia. Emocionei-me.

Beijo para ti.

Chousa da Alcandra disse...

Coas mans pousadas na calma, fixéchesme recapacitar que tamén as mentes poden pousarse no exacto punto no que as mans...

Cheguei a este teu cantinho por casualidade. Entre os blogues que visito hai unha blogueira viguesa que leva por nome o mesmo que ti empregas, máis ela engadiulle o de "per áspera". Será que ao cruzar a raia cara o norte, o caminho é máis árido?

Apertas fraternais dende a PortuGaliza

Unknown disse...

LINDO!!!!!
LINDO!!!!!
Posso "rapinar", posso?????

Há mãos ASSIM! EU SEI!!!!

Bjkas!!!

vida de vidro disse...

Lindíssimo. Obrigada por me dares a conhecer. Fiquei encantada. **

hfm disse...

Agradecendo o "roubo" deste poema.

~pi disse...

belo de água viva

pão

e dedos

das mãos aos

pé)s




beijo




~

susemad disse...

Não conhecia este autor, que tanto me encantou agora, neste instante, ao ler as suas tão doces palavras. Sublime.

E claro que não páro! Faria algum sentido parar quando ainda há tanto para ver e conhecer? :) Ainda nem conheço o teu arquipélago!! E olha que também não estive na Rússia!
Beijinho

hfm disse...

As "rochas" vão levar algum tempo a aportar, o caminho é longo...

Mar Arável disse...

Muito belo

nas tuas mãos

para todos nós