Do anónimo rumor
Estou ouvindo sem ouvir o que sempre ouço
o anónimo rumor de tudo ser o que é
tão irrevogável como o silêncio que através dele é só silêncio
Nunca uma palavra ou um gesto poderá alterar esta ausência
do que nunca se manifesta mas que faz surgir os seres e as coisas
Tal é o domínio da existência a que não se pode fugir
e em que se morre com a boca apagada por um grito ou um suspiro
O que acontece em cada dia é o fortuito fluir
do que só é necessário em si mas não para nós
Não nós não estamos no mundo mas na distância insuperável
de um ser inacessível e essa distância somos nós
Nunca poderemos conhecer o insondável ser
que não é mais do que tudo o que é mas sem o ser
Em vão procuramos a presença deste ausente
Sabemos que se ele se manifestasse o mundo não seria o mundo
e a sua presença seria um excesso que anularia a nossa liberdade
Não há contrapartida para o desamparo não há consumação
para o que no existir é a crispada urgência
e a morte é sempre extemporânea
António Ramos Rosa
24/03/10
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3 comentários:
Sempre!
muito bom o seu blog to te seguindo me segue tambem
www.jacksomhonorato.blogspot.com
Uma troca... :)
«Se acariciasse o sonho
ou apenas um filamento
da figura que nunca se desnuda
porque está sempre atrás dos olhos
se pudesse abraçar o corpo que ignoro
talvez o corpo do meu corpo
que reside entre a separação e o encontro
se pudesse atravessar a fronteira
entre o incompleto e o completo
se pudesse anular a torpeza irredutível
em que se afunda o mistério mais puro
se pudesse penetrar de um salto
no centro dessa rosa obscura
de que a palavra nunca será o espelho
se pudesse ser a balança flexível
do astro que sorri às vezes sob a água
e a que chamamos anjo
porque tem o aroma do horizonte
se pudesse ser a palavra exacta e viva
do seu rosto transparente inclinado e leve
se pudesse inverter o movimento do poema
e beber a própria sede do náufrago inocente
poderia construir um templo completamente vazio
e tocar o extremo puro do que não existe»
in «Os Animais do Sol e da Sombra seguido de O Corpo Inicial», de António Ramos Rosa
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