22/07/10

Per Te



Quase de nada místico

Não, não deve ser nada este pulsar
de dentro: só um lento desejo
de dançar. E nem deve ter grande
significado este vapor dourado,

e invisível a olhares alheios:
só um pólen a meio, como de abelha
à espera de voar. E não é com certeza
relevante este brilhante aqui:

poeira de diamante que encontrei
pelo verso e por acaso, poema
muito breve e muito raso,
que (aproveitando) trago para ti.


de Às Vezes o Paraíso



Ana Luísa Amaral
Anos 90 e agora
Uma Antologia da Nova Poesia Portuguesa

10/07/10


dá-me os teus olhos

eles são lagos, crateras de atenção, e a tua boca na minha torna o meu vestido num fragmento de mim, tecido-terra por onde circula a claridade

dá-me os teus olhos

esta é a hora temperada de excepcionalidade, de um não-pensar, via da consolação e dom, momento em que nada se disse e não importou

dá-me os teus olhos, só assim serei alguém de amor


Ana Marques Gastão

03/07/10


14 de Março de 1916

Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá; e é esta a razão íntima de todo o meu sofrimento.
Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueca.


Excerto de carta de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro