30/12/08
19/12/08
NATAL
Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.
Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.
Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.
Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.
Manuel Alegre
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09/12/08
Desconforto II
Vazio de cidade,
há uma desordem em mim.
Contemplador de desvãos,
vou esculpindo infrutíferas buscas.
O que há de encontro na minh’alma
é só o apóstrofo.
Busco desvencilhar-me da ferrugem da estrada,
do ferrolho das minhas ausências,
quando substantivo a vontade.
Há em mim doença de lagarta,
predisposição para casulo,
pretensão para eterno.
Voar é o meu destino.
Rastejante, carrego primórdios,
contemplo a estrada.
Francisco Perna Filho in Refeição
Publicada por Ad astra à(s) 9.12.08 12 comentários
27/11/08
Canção
Limiar de ser
entre sombra e voo
à face de ser
pouco mais que sopro
Sem saber se é
criatura ou ar
entre o não sei quê
e o saber voar
Todo iluminado
feito só de errância
conhece o acaso
e a circunstância
Ténue passageiro
de um gesto a lembrança
no seu voo ei-lo
como uma criança
Sem rosto nem rasto
despido de branco
voa contra o vento
ébrio de ser anjo.
Bernardo Pinto de Almeida in e outros poemas
Publicada por Ad astra à(s) 27.11.08 14 comentários
05/11/08
A estrada não trilhada
Num bosque, em pleno outono, a estrada bifurcou-se,
mas, sendo um só, só um caminho eu tomaria.
Assim, por longo tempo eu ali me detive,
e um deles observei até um longo declive
no qual, dobrando, desaparecia...
Porém tomei o outro, igualmente viável,
e tendo mesmo um atractivo especial,
pois mais ramos possuía e talvez mais capim,
embora, quanto a isso, o caminhar, no fim,
os tivesse marcado por igual.
E ambos, nessa manhã, jaziam recobertos
de folhas que nenhum pisar enegrecera.
O primeiro deixei, oh, para um outro dia!
E, intuindo que um caminho outro caminho gera,
Duvidei se algum dia eu voltaria.
Isto eu hei de contar mais tarde, num suspiro,
nalgum tempo ou lugar desta jornada extensa:
a estrada divergiu naquele bosque – e eu
segui pela que mais ínvia me pareceu,
e foi o que fez toda a diferença.
Robert Frost in Antologia Poética
Publicada por Ad astra à(s) 5.11.08 22 comentários
28/10/08
Os seus cantos nocturnos são peculiares e inesquecíveis, sendo uma das aves mais antigas que existem à superfície da terra
Entre Março e Outubro, os Açores são procurados por esta ave marinha para a respectiva nidificação, sendo mesmo considerado o mais importante local do mundo utilizado para o efeito.
No fim de Outubro os cagarros juvenis, que já atingiram a plumagem e o tamanho adulto são abandonados, nos ninhos, pelos progenitores e, movidos pela fome, lançam-se ao mar, enfrentando várias ameaças :
Se encontrar um cagarro ferido ou desorientado faça o seguinte:
- Prepare uma caixa de papelão (por exemplo uma caixa de sapatos) e faça-lhe alguns furos.
- com uma camisola, casaco ou manta cubra o cagarro;
- Apanhe-o e coloque o cagarro na caixa de papelão;
- Leve o cagarro para casa e deixe-o dentro da caixa num local sem barulhos que o possam incomodar;
- Não alimente o cagarro, para que ele não se habitue;
- Na manhã seguinte, dirija-se a um local perto do mar;
- Solte o cagarro, deixando-o pousado no chão e afaste-se do local;
- Ao fim de pouco tempo, o cagarro começará a voar e encontrará o seu caminho.
Publicada por Ad astra à(s) 28.10.08 15 comentários
25/10/08
há muito não sei de mim…
procuro-me no centro das cornucópias azuladas do fumo de um cigarro que, a espaços tenta combater a insónia, companheira permanente de existências sem asas
haverá um Deus das causas perdidas, das almas cansadas, a quem acender uma vela, a quem ensaiar uma prece?
que o vento que fustiga a noite é quase tão frio, quanto a tua ausência
Publicada por Ad astra à(s) 25.10.08 14 comentários
15/10/08
O Vemos, ouvimos e lemos honrou este modesto blogue com o "Prémio Dardos", no qual
"se reconhecem os valores que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc. que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras. Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os blogueiros, uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web.
Quem recebe o “Prêmio Dardos” e o aceita deve seguir algumas regras:
1. - Exibir a distinta imagem;
2. - Linkar o blog pelo qual recebeu o prémio;
3. - Escolher quinze (15) outros blogs a que entregar o Prémio Dardos.
Dando cumprimento às regras,aqui estão, como sempre, os meus mais queridos
8ª edição
a janela de alberti
as mãos por dentro do corpo
cantigas de amigo
estados de alma
in@rq
linha de cabotagem
marulhos
cantigueiro
o farol
passages
perolas de ouro
selos difusos
tons de azul
traços e cores
Publicada por Ad astra à(s) 15.10.08 34 comentários
13/10/08
DERIVA/XIII
Canção rente ao nada
No silêncio quieto
Da noite parada
Como quem buscasse
Seu rosto e o errasse
Sophia de Mello Breyner Andresen in Navegações
Publicada por Ad astra à(s) 13.10.08 6 comentários
07/10/08
mar azul em tarde calma
crepúsculo
aurora boreal
não sei…
jamais saberei dizer-te das cores com que meus olhos te pintam
Publicada por Ad astra à(s) 7.10.08 10 comentários
03/10/08
Publicada por Ad astra à(s) 3.10.08 7 comentários
27/09/08
Meu amor vem sobre as ondas
Meu amor vem sobre o mar
Ai quem me dera morrer
Nas águas do teu olhar
Meu amor vem sobre as ondas
Meu amor vem sobre o mar
Dos teus olhos meu amor
Nascem as ondas do mar
Lágrimas tristes que choram
Saudades do teu olhar
Dos teus olhos meu amor
Nascem as ondas do mar
Fado de Coimbra
Publicada por Ad astra à(s) 27.9.08 2 comentários
14/09/08
só no teu canto encontro paz
em acordes de revolta tempestade
ou no dolente marulhar da acalmia
na pausa das palavras por escutar
nada importa…tu és o meu mar…
Publicada por Ad astra à(s) 14.9.08 11 comentários
22/07/08
Love song
Do not stare at me. do not. I am sincere.
there are many things that happen beyond
my limited control and disappear.
Why should I tell you that I’m not so fond
of most of them? why should I otherwise
coldly excuse myself for having no fear?
I have no time left. believe me, the skies
tell us everything is as clean and clear
as a knife’s blade wiped after de red
bleeding of sacrifice, wose mirror says
it will be drawn again and kill instead
of reflecting your narrow flashing face.
Let’s then look at the moon above the trees.
Never forget how much I love you. please.
Vasco Graça Moura in Poesia 2001/2005
Publicada por Ad astra à(s) 22.7.08 14 comentários
10/07/08
Abandono
A quem senão a ti direi
como estou triste? Mas se a tristeza vem
de tu não estares, como ta direi, como hei-
de juntar o que me está doendo ao ven-
to que não bate mais à tua porta? Eu sei
que a tristeza é só isto, é só isto,
o descoincidir consigo mesmo, eu sei,
descoincidir com os outros, estava previsto
porque dentro de si o mundo não coincide e
não há senão tristeza. Em cada um está Cristo
sempre abandonado, cada um abandonado
a si mesmo, sem princípio e sem fim,
pois no princípio o amor era dado
promessa de te ter sempre junto a mim
não ausência, nem dor, nem habitado
ser por todo este absurdo. Morrer
um pouco, disse, sem saber o que dizia
pois eram só palavras, como se a prometer
tudo aquilo que havia e não havia.
Não haver palavras és tu a desaparecer.
Bernardo Pinto de Almeida in Hotel Spleen
Publicada por Ad astra à(s) 10.7.08 14 comentários
05/07/08
e a brisa fresca que te precede
dissipa a bruma que me envolve
Publicada por Ad astra à(s) 5.7.08 10 comentários
02/07/08
“De tudo abri mão, mais nada me resta. De quanto possuí, só tu, esperança, permaneces comigo. “
Nietzsche
Publicada por Ad astra à(s) 2.7.08 10 comentários
25/06/08
Para ti!
Partiste...
logo hoje que sol brilhava
partiste
agora anoiteceu
dentro e fora da minha alma
no vazio da tua ausência
afasto a lágrima que me impede o céu
e vejo mais uma estrela
acho que és tu... a sorrir para mim
até sempre mana!
Publicada por Ad astra à(s) 25.6.08 10 comentários
31/05/08
Flores
É nestas flores, em particular, que
vejo desenhar-se uma linha que me leva
de mim a ti, passando sobre um campo
invisível, onde já não se ouvem
os pássaros, e onde o vento não faz cair
as folhas. Estamos em frente de um canteiro
puramente abstracto, e cada uma destas flores
nasceu das frases em que o amor se manifesta,
e do movimento dos dedos sobre a pele,
traçando um fio de horizonte
em que os meus olhos se perdem. Por isso estão
vivas, e alimentam-se da seiva
que bebem nos teus lábios, quando os abres,
e por instantes a vida inteira se resume
ao sorriso que neles se esboça.
Nuno Júdice in Poesia Reunida
Publicada por Ad astra à(s) 31.5.08 25 comentários
27/05/08
23/05/08
Só depois de sentir a textura das nuvens na tuas mãos
percebi sentimentos que não cabem em poemas
não existem palavras de sentir
capazes de desenhar reflexos de um sonho
então não digo …
Publicada por Ad astra à(s) 23.5.08 13 comentários
20/05/08
"Movimentos"
Apertei mais a tua mão presa na minha e senti-te subitamente longe. Dobrei mais ainda os dedos sobre os teus quase fincando as unhas, sentindo a pele quente, os dedos compridos, firmes, toda a tua mão como que todo o teu corpo. A saudade, a distância do teu corpo, a distância da tua mão ali na minha. O teu perfil recorta-se na quase total escuridão da sala. Desvio os olhos de ti e fixo-os no ecran brilhante, luminoso; o teu perfil persiste sobrepondo-se à rapariga que canta (...)
Publicada por Ad astra à(s) 20.5.08 9 comentários
19/05/08
hoje inverteram-se os papeis
não fomos ver o mar
fui eu ver-te
ver-te ... ver o que resta de ti
sorri, impedi a lagrima
gracejei e engoli a raiva
so não te disse como doi,
como gosto de ti
anda, vamos ver o mar...
Publicada por Ad astra à(s) 19.5.08 14 comentários
13/05/08
Intimidade
No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,
Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,
No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.
José Saramago in Os Poemas Possíveis
Publicada por Ad astra à(s) 13.5.08 14 comentários
Mesmo quietinha e sem publicar grandes coisas, fui honrada com mais um destes prémios, que circulam na blogosfera.
A excelência do blogue de onde provém obriga-me a não ficar indiferente e proceder à sua publicação e consequente distribuição.
Claro que, como sempre, estas atribuições tem regras, mas a verdade é que ando tão cansada delas que, desta vez, apeteceu-me subvertê-las.
Assim, este prémio é para TODOS VÓS, os poucos mas muito bons, que sempre me visitam.
Levem-no… é Vosso!!!
Publicada por Ad astra à(s) 13.5.08 16 comentários
01/05/08
it is at moments after i have dreamed
of the rare entertainment of your eyes,
when (being fool to fancy) i have deemed
with your peculiar mouth my heart made wise;
at moments when the glassy darkness holds
the genuine apparition of your smile
(it was through tears always) and silence moulds
such strangeness as was mine a little while;
moments when my once more illustrious arms
are filled with fascination, when my breast
wears the intolerant brightness of your charms:
one pierced moment whiter than the rest
-turning from the tremendous lie of sleep
i watch the roses of the day grow deep.
e.e.cummings
Publicada por Ad astra à(s) 1.5.08 24 comentários
29/04/08
Amor Vivo
Amar! mas dum amor que tenha vida...
Não sejam sempre tímidos harpejos,
Não sejam só delírios e desejos
Duma doida cabeça escandecida...
Amor que viva e brilhe! a luz fundida
Que penetre no meu ser - e não só beijos
Dados no ar - delírios e desejos -
Mas amor... dos amores que têm vida...
Sim, vivo e quente! e já a luz do dia
Não virá dissipá-lo nos meus braços
Como névoa da vaga fantasia...
Nem murchará do sol à chama erguida...
Pois que podem os astros dos espaços
Contra uns débeis amores... se têm vida?
Antero de Quental in Sonetos
Publicada por Ad astra à(s) 29.4.08 12 comentários
24/04/08
Ilha do Lago Innisfree
Erguer-me-ei e partirei já, e partirei para Innisfree,
E uma pequena cabana erguerei lá, de barro e vime feita:
Nove renques de feijão aí terei, uma colmeia de obreiras e
Viverei sozinho na ensurdecedora clareira.
E aí terei uma certa paz, porque a paz vem lentamente,
Caíndo dos véus da manhã, até onde o grilo canta;
Onde a meia-noite é trémula, e o meio-dia é roxo brilho,
E a noite, de asas de pardais se completa.
Erguer-me-ei e partirei já, porque sempre noite e dia
Oiço a água do lago a folhear murmúrios na rebentação;
Quando vou por estradas, ou por passeios cinza,
Oiço-a no lúmen profundo do coração.
William Butler Yeats in Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa
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22/04/08
Elegía Suspirante
El amor enlazaba nuestros pasos, recuerdas?
Hacia mi corazón con indolente gracia
caía tu cabeza, recuerdas?, como cae
sobre el hombro del viento una rama de acacia.
Nos tendía sus brazos desnudos el aroma
de las frutas; tu alma se iba y regresaba
como si por instantes entreabriera los párpados.
Entre los dos estaba como un cuento el silencio.
Balbuceaba el agua lo que los dos callábamos.
la sombra de las hojas pasaba por tu rostro,
como suele el silencio pasar entre la música.
Desleía la tarde su pétalo en tus ojos.
Tu corazón se ha ido, ahora, con la fuente.
El viento habrá borrado los pasos en la arena,
borrado habrá el olvido mi huella por tu frente,
como borra el crepúsculo la luz con que te escribo.
Eduardo Carranza in Seis elegías y un himno
Publicada por Ad astra à(s) 22.4.08 13 comentários
19/04/08
poema (2)
De tarde, no campo, nenhum pássaro cantou;
e só neste fim de dia um vento traz o assobio
da primavera melancólica: despedidas,
imagens breves, nenhuma inspiração. O sopro nocturno,
porém, anuncia um reflexo de espelho no fundo
do corredor. A voz surge de um dos quartos
em que a ausência se perde. Um baço
murmúrio se aproxima do gemido que evoca
o mar - sem que a onda se decida, quebrando
o som agonizante. Então, abro a porta
e chamo-te; sabendo que só a noite me responderá.
Nuno Júdice in Poesia Reunida 1967 -2000
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14/04/08
Ternura
Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentada
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancólicamente.
E posso te dizer que o grande afecto que te deixo
Não trás o exaspero das lágrimas nem a fascinação
Das promessas nem as misteriosas palavras dos véus da alma.
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieto, muito quieto
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem
Fatalidade o olhar estático da aurora.
Vinicius de Moraes in Poesia completa e prosa
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08/04/08
Soubesse eu ao menos...
Soubesse eu ao menos
- mas quem sou eu
de quem a voz que fala no poema?-
dizer-te neste dia
- mas quem és tu
quem tu a quem este poema se quer fala?-
o quanto a tua voz
não estando aqui
batendo junto à minha voz
como se uma fosse só da outra o vasto eco
me deixa abandonado
como se só essa voz- a tua voz
fosse sopro e forma de mim mesmo
a tua voz que inunda
a tua voz que percorre
por dentro das veias
a tua voz
que quando em mim a ouço
correndo-me por dentro como o sangue
se faz da minha a origem
em mim se faz princípio
me dá o encantamento de ser dia
outra vez
essa voz que sendo tu e eu ao mesmo tempo
me retira da Noite em que obscuro
permaneço sem nome e até sem rosto
sem forma nem princípio
assim se cala.
Bernardo Pinto Almeida in Depois que tudo recebeu o nome de luz ou de noite
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01/04/08
A LUZ
Não se pode prever. Sucede sempre
quando menos o esperas. Pode acontecer que vás
pela rua, depressa, porque se faz tarde
para pôr uma carta no correio, ou que
te encontres em casa de noite, a ler
um livro que não consegue convencer-te; pode
acontecer também que seja verão
e te tenhas sentado na esplanada
de um café, ou seja inverno e chova
e te doam os ossos; que estejas triste ou fatigado,
que tenhas trinta anos ou sessenta.
É imprevisível. Nunca sabes
quando nem como ocorrerá.
Decorre
tua vida igual a ontem, comum e quotidiana.
«Um dia mais», dizes para ti. E de súbito
desata-se uma luz poderosíssima
dentro de ti e deixas de ser o homem que eras
há só um momento. O mundo, agora,
é para ti diferente. Dilata-se
magicamente o tempo, como naqueles dias
tão longos da infância e respiras à margem
de seu escuro fluir e seu estrago.
Pradarias do presente, por onde erras livre
de cuidados e culpas. Uma agudeza insólita
mora em teu ser: tudo está claro, tudo
ocupa o seu lugar, tudo coincide e tu,
sem luta, compreende-lo.
Talvez dure
um instante o milagre; depois as coisas voltam
a ser como eram antes que essa luz te desse
tanta verdade, tanta misericórdia.
Mas sentes-te calmo, puro, feliz, salvo,
cheio de gratidão. E cantas, cantas.
Eloy Sánchez Rosillo in Maneras de Estar Solo, trad. José Bento
_____________
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26/03/08
É o tempo cansado arrastando a repetição dos dias
hábito recente de anunciada ausência
são mãos de silêncio acariciando o espaço vazio
e o sol insistindo em brilhar... apesar de ti
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13/03/08
se soubesses que amanhã
não estou cá
que em mais nenhum amanhã
eu vou estar cá
sim,que me dirias?
..hoje...
Publicada por Ad astra à(s) 13.3.08 23 comentários
09/03/08
hoje não amanheci
é ... há dias em que não amanheço
pautas de acordes incompletos, rodopiam
e as letras, caindo num abismo transparente
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06/03/08
Ainda que mal pergunte,
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda assim te pergunto
e me queimando em teu seio,
me salvo e me dano: amor.
Carlos Drummond de Andrade In As Impurezas do Branco
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28/02/08
Publicada por Ad astra à(s) 28.2.08 21 comentários
26/02/08
Amo o teu túmido candor de astro
a tua pura integridade delicada
a tua permanente adolescência de segredo
a tua fragilidade acesa sempre altiva
Por ti eu sou a leve segurança de um peito
que pulsa e canta a sua chama
que se levanta e inclina ao teu hálito de pássaro
ou à chuva das tuas pétalas de prata
Se guardo algum tesouro não o prendo
porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto
que dure e flua nas tuas veias lentas
e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar
Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva
para que sintas a verde frescura
de um pomar de brancas cortesias
porque é por ti que vivo é por ti que nasço
porque amo o ouro vivo do teu rosto
António Ramos Rosa in O Teu Rosto(1994)
Publicada por Ad astra à(s) 26.2.08 12 comentários
21/02/08
Publicada por Ad astra à(s) 21.2.08 16 comentários
20/02/08
" sabe aquele blog do tipo que, apesar da sua vida corrida, com milhões de relatórios pra entregar, clientes pra recepcionar, patrão te enchendo o saco, você não pode deixar de dar uma olhadinha para conferir as novidades? aquele blog que você lê todo santo dia, mesmo que não haja novidades? aquele tipo que, no trabalho, ou numa caminhada, ou num churrasco entre amigos, você não vê a hora de acessar a internet pra dar uma olhadinha? enfim... pra atalhar... aquele blog que não te sai da cabeça???presenteie, então, o autor desse blog com esse selo..."
Então as minhas escolhas são:
as mãos por dentro do corpo
un-dressLevem-no que é vosso...
Publicada por Ad astra à(s) 20.2.08 9 comentários
15/02/08
- sem caveiras de fogo
a iluminarem o pensamento das pedras.
Melodia apenas
- sem o suor das mãos dadas
no guiar dos labirintos.
Melodia apenas
- sem as lágrimas por dentro das flores
a queimarem o coração dos mortos.
Melodia apenas
dos pássaros ocos
a cantarem nas àrvores
a repetição emplumada
do cio do primeiro mundo...
Vem, melodia!
Melodia apenas.
José Gomes Ferreira in Poeta Militante
Publicada por Ad astra à(s) 15.2.08 15 comentários
09/02/08
... os muros e as paredes ...
densos nevoeiros
de cinzentos impossíveis
e respingas de sol o meu olhar
Publicada por Ad astra à(s) 9.2.08 16 comentários
05/02/08
…foi quanto durou…
não tivessem teus olhos
a mais perfeita das cores
e jamais saberia
Publicada por Ad astra à(s) 5.2.08 18 comentários
27/01/08
trazido pelo vento
eco de risos distantes,
trote de cascos molhados
mastigando beira-mar
não sei se oiço,
ou invento
saúdo-te apenas
Noite Negra,
que a Lua é dos amantes
Publicada por Ad astra à(s) 27.1.08 19 comentários
23/01/08
17/01/08
Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...
Como um canto longínquo – triste e lento –
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração, que tumultua,
Tu vertes pouco a pouco o esquecimento...
A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno Bem.
E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!
Antero de Quental
Publicada por Ad astra à(s) 17.1.08 25 comentários
15/01/08
...
Uma gaivota de prata se desprende do ocaso.
As vezes uma vela. Altas, altas, estrelas.
Ou a cruz negra de um barco.
Só.
As vezes amanheço, e minha alma está húmida.
Soa, ressoa o mar distante
...
Pablo Neruda
Publicada por Ad astra à(s) 15.1.08 16 comentários
13/01/08
mar imenso, incêndio incontrolável,
avassaladora tempestade de sentidos
e no entanto … um só olhar
Publicada por Ad astra à(s) 13.1.08 19 comentários